Encontro do dia 21 de Janeiro de 2025
Hoje continuamos a nossa exploração de cenas improvisadas a partir de um tema.
Após um aquecimento criativo livre e coletivo perguntei aos participantes qual seria o tema que eles gostariam de exercitar hoje. A resposta foi AMOR
Improviso de trabalho em coro
Iniciamos o nosso trabalho sobre esse tema em coletivo. Já na primeira experimentação percebi a dificuldade e realizar "o amor" enquanto tema sensível. Ao invés disso a tendência foi a interpretação do amor, isto é, uma imagem de alguém fazendo um gesto amoroso com relação à outro porque psicologicamente essa outra pessoa é um ente querido. Pedi para que parassem e começassem novamente sentindo o amor dentro de si, o amor como um estado afetivo interno e não como uma relação dramatúrgica com uma ideia pré-concebida. O amor primeiramente sentido e não representado, não a imagem do amor, mas o amor de fato. Imediatamente se viu uma diferença de intensidade na cena, pois não se tratava de apenas "mostrar" o amor, mas de senti-lo e, por senti-lo, ele se manifestava automaticamente na cena. O gesto que surgia era em decorrência desse amor e não a causa dele.
Isso nos leva ao ofício do ator, pois se somente formos capazes de acessar o estado do amor a partir de alguma representação circunstancial do amor como poderemos expressar esse estado afetivo quando as circunstâncias forem outras? É evidente que uma cena em que, por exemplo, temos um pai ou uma mãe cuidando da filha ferida o amor se manifestará com facilidade, pois a ação física está reforçando esse estado. Contudo, se a situação for outra, por exemplo no caso em que um pai tem que executar seu próprio filho em nome do seu amor pelo imperador e também mandante da ordem, o amor tem que estar presente, mas a ação física, no caso um homicídio, não está reforçando esse estado afetivo. Num caso como este o ator só terá sucesso caso consiga acessar o amor independentemente da ação física.
Assim, me parece que para que um estado afetivo seja efetivamente exercitado ele deve ser acessado por meios sensíveis e não meios interpretativos. Imagino que outras abordagens são possíveis em outros contextos, mas no caso da nossa experimentação essa chave/mecanismo/abordagem técnica obteve resultados imediatos e bastante efetivos.
Estar absolutamente seguro de si
Em determinado momento estamos numa improvisação e, logo no início, eu interrompi a prática para dizer que a insegurança deles era visível e que, portanto, deveríamos recomeçar. Ao que uma das participantes perguntou se a possibilidade de se perder e ir descobrindo o caminho da improvisação não era uma abordagem viável, pois realmente pareceu que nem deu tempo para encontrarem o caminho antes que eu interrompesse.
Respondendo a esse questionamento está, ao meu ver, um dilema da improvisação: por um lado é preciso dar o tempo para que a proposta cênica fique clara o que nem sempre acontece num primeiro momento. Por outro lado, muitas vezes a insegurança da cena está diretamente relacionada à insegurança dos atores. Um ator inseguro não conseguirá realizar qualquer cena que seja ou talvez atrase o tempo de "descobrimento" da proposta cênica principalmente quando a proposta for demasiadamente livre. Assim, proponho um caminho da segurança individual: se o ator estiver seguro da sua proposta ele contaminará seus colegas com a segurança e assim salvará a cena. Essa proposta vem do princípio de que uma ideia boa mal executada dá resultados ruins enquanto que uma ideia ruim, mas bem executada dá resultados interessantes. Muitas vezes a insegurança decorre de um pré-julgamento interno: será que este movimento está bom? Será que esta minha proposta agradará o coletivo a ponto deles comprarem a ideia? Esses questionamentos internos costumam atrapalhar o fluir coletivo numa improvisação. Mas se o indivíduo tiver claro que "seja o que for eu executarei bem" até a pior das ideias gerará um coro no mínimo conciso e convinente.
Fazer o RAP e não apenas ler o RAP
Esse princípio também se aplica ao indivíduo realizando uma cena solo. Em determinado momento pedi para que um participantes escrevesse um RAP pra cantar na cena em 10 minutos. Ele saiu da sala e pouco tempo depois retornou com uma letra bem estruturada. Enquanto poesia estava ótimo, mas quando pedi para ele fazer a cena via-se a afobação de tentar fazer um RAP que ele não tinha decorado de uma forma rápida. Então a imagem que se via era de um ator tentando fazer um RAP e não conseguindo.
Em outro momento pedi para que ele mudasse de atitude com relação à cena incorporando realmente a figura do RAP antes mesmo de começar a cantar. Como resultado a canção ficou muito mais interessante (e melhor executada). Esse me parece um dos segredos da arte do ator: não se trata de executar tarefas desafiadoras específicas, mas de incorporar (dar corpo) a energia e a fisicalidade que tornará essas tarefas menos desafiadoras.
Esse princípio se aplica a qualquer atividade física, mas especialmente ao trabalho do ator. É muito difícil realizar uma acrobacia com o corpo flácido então primeiro é preciso tonificar o corpo e só então realizar a acrobacia. Também é difícil cantar uma ópera com um corpo que não é de cantor de ópera, então, a primeira coisa a fazer é a postura de um cantor de ópera, somente aí a voz poderá fluir naturalmente. Para realizar qualquer habilidade primeiro o ator precisa observar como é o corpo da pessoa que realiza essa atividade e tentar imitá-lo o mais fielmente possível. Depois, tentar reproduzir dentro de si a energia dessa pessoa e, por fim, tentar agir e pensar como essa pessoa. Após esse processo restará apenas um passo para poder executar uma tarefa: começar.
Evidentemente que isso não invalida os anos de treino necessários para desenvolver certas habilidades como tocar um instrumento musical, por exemplo, mas a atitude e a disposição física adequada já são um grande avanço na direção de uma atuação convincente. O exemplo que tenho é de quando comecei a estudar violino. No início eu não conseguia tocar muito bem, mas tinha a atitude correta (como descrita acima) então evidentemente que um violinista profissional saberia muito bem que eu não era violinista, mas, incrivelmente, a grande maioria do público após me ouvir tocar ao longo do espetáculo ficou com a impressão de que eu era de fato um violinista.
Registros:
Parte 1:
https://youtu.be/XjwjkaJCPBQ
Parte 2:
https://youtu.be/8aN_dimNiKU
Parte 3:
https://youtu.be/JGNWy6Di6OY
Parte 4:
https://youtu.be/uwX7W6CAbbk
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